Decoração
Celso Laetano

Celso Laetano: O ‘camaleão’ sem culpa

Por Cristiane Sanches

É assim que o arquiteto Celso Laetano se define, do alto dos seus bem-sucedidos 35 anos de profissão e um portfólio com mais de 400 trabalhos. O homenageado desta segunda edição do Village Arte Decor diz que sua carreira está em permanente transformação, que não se prende a estilos e que pretende continuar produzindo muito e por muito tempo ainda. Veterano em mostras de arquitetura, Celso garante que eventos dessa natureza dão ao profissional a oportunidade de produzir e mostrar um trabalho que tenha 100% a sua cara e também dos parceiros comerciais apresentarem produtos e novidades. Apaixonado por detalhes, Celso fala da importância do processo na arquitetura e diz que gostaria de projetar um hotel pequeno, desses de roteiros de charme, em que a sofisticação é quem dá o tom.

“Eu transito pra lá e pra cá, faço vários tipos de trabalho, atuo em várias tendências, estilos”

Fotos: Guilherme Miranda

Celso Laetano

Cris Sanches – Você está completando 35 anos de carreira e é o homenageado do Village Arte Decor este ano. É bom ser lembrado desta forma?

Celso Laetano – Para mim é muito gratificante porque é um reconhecimento de uma carreira que está ficando cada vez mais madura. Também tem a ver com a própria vivência, os relacionamentos que a gente vai criando, os laços que vamos fortalecendo. Acho isso muito legal. Eu agradeço muito.

Reconhecimento gera motivação?

Sim. Costumo dizer que me sinto um ‘camaleão sem culpa’ no meu trabalho. Eu transito pra lá e pra cá, faço vários tipos de trabalho, atuo em várias tendências, estilos. Acho bacana essa coisa de ser plural. Não fico muito preso a um trabalho ou resultado. É uma coisa mais aberta.

Como você define seu momento atual na carreira?

Minha carreira ainda está em transformação. Sou de uma geração que ainda desenhava à mão, que evoluiu profissionalmente desenhando à mão, e eu consigo me expressar muito bem pelo desenho. Até hoje, meus primeiros desenhos e ideias relacionados a um projeto são todos elaborados à mão. Acho isso um privilégio num mundo com tanta tecnologia (que eu acho bacana, diga-se de passagem). É uma relação do raciocínio que eu acho muito sensorial.

Você é um veterano em mostras. Que importância elas tiveram ou continuam tendo na sua carreira?

As mostras são oportunidades que os profissionais têm para se expressar livremente, uma vez que não há a figura do cliente. Você tem toda a liberdade de produzir um trabalho que tem 100% a sua cara e pode mostrar alguns lados da sua criação, diferentes de um trabalho contratado. E tem o lado comercial das mostras, porque a gente estreita muito os laços com os fornecedores e com os parceiros, que acabam nos fornecendo materiais e produtos podermos viabilizar nosso projeto na mostra.

E você sempre teve bons parceiros, né…

Graças a Deus. Não posso reclamar. Eu acredito que, na arquitetura, o projeto é uma coisa importante, mas quando ele sai do papel e vira uma coisa de fato, você consegue ter uma noção de todo o processo, de como se apresenta pronto aquilo que foi pensado. Assim, numa mostra você tem uma vitrine de duas faces: a do seu trabalho e a do parceiro comercial. É bacana quando você estreita esse laço e quando tem essa sincronicidade. Acho que os dois lados ganham. Movimenta o mercado, traz público, mostra tendências…

E o que uma boa mostra de arquitetura precisa ter, na sua opinião?

Acho que, em primeiro lugar, é preciso ter um local que realmente seja muito atrativo. A proposta do Village Arte Decor, por exemplo, de resgatar imóveis históricos, é uma ideia bem interessante. Além do local, é preciso ter um mix de expositores bem variado. Tem que ter um pessoal mais tradicional, que já está sedimentado no mercado, e tem que ter uma ala jovem, ávida por mostrar seu trabalho, suas novidades, suas tendências. Essa mistura é importante. É preciso também ter os patrocinadores que apresentem lançamentos, novos produtos, porque todo mundo quer ver novidade numa mostra.

Você falou de nova geração da arquitetura. Ela te deixa otimista em relação ao futuro?

Acho que é uma geração com muita avidez de querer mostrar seu trabalho. Talvez um pouco ansiosa e que não respeite tanto o processo em projeto, algo que eu acho importante. Como a gente tem uma velocidade absurda de informações… Às vezes, o cliente chega até você com uma coisa tão elaborada e tão concebida, que ele acha que você é um instrumento pra propor aquilo pra ele e esquece que tem que ter a sua chancela. Esse pessoal novo tem essa avidez, essa vontade de mostrar e eles têm essa rapidez em propor. Mas, às vezes, falta o processo, que é dar tempo ao tempo pra evoluir e ter um trabalho de resultado com começo, meio e fim. Isso é fundamental no trabalho do arquiteto, você alinhavar as fases e chegar num resultado que é legal. Quando você consegue fazer o projeto de arquitetura e consegue fazer a parte de interiores, é o máximo, porque você tem uma leitura completa do seu trabalho.

Esta é a segunda edição do Village, da qual você participa. O que o atrai neste evento?

A primeira coisa que me atrai é a possibilidade de trabalhar com um patrimônio histórico, que foi o que aconteceu no Monte Alegre e agora neste imóvel da Vila Rezende. Meu escritório tem essa cara, as mesmas características. Sempre fui ligado a isso e sempre tive muito cuidado em intervir nesses espaços. Acho que você tem que imprimir a sua chancela, mas tem que ter uma reverência a um lugar como esse. Você não pode ter um ego muito grande para intervir num imóvel tombado. É legal mostrar as tendências, mas é preciso ter cuidado com o que você está mexendo.

Que cuidados é preciso ter com um imóvel histórico numa mostra?

Acho que todo profissional que adquire um espaço para expor seu trabalho numa mostra precisa ter liberdade para atuar. Mas penso que tem que ter um cuidado especial ao se trabalhar num imóvel que tem referência e história. Tem um passado ali. Você pode ‘viajar’ nesta vibração, sem precisar ser datado. É perfeitamente possível fazer um trabalho contemporâneo e ousado num imóvel tomado, desde que se respeite o conceito de reverência.

Você soma mais de três décadas de carreira. Quando olha para o conjunto da sua obra, o que você pensa a respeito de si mesmo?

Não sei… (risos). Sou uma pessoa muito discreta. Nunca fui de me expor. Nas minhas redes sociais, dificilmente posto fotos pessoais. Prezo pela minha privacidade, apesar de ter um trabalho reconhecido e de ter uma profissão relativamente glamurizada. Mas acho que ter um portfólio com mais de 400 obras, depois de 35 anos de carreira, me dá uma segurança de falar com mais propriedade. Por outro lado, me dá uma noção de que muitas coisas que tinham algum valor, ou eram muito valorizadas há 10 ou 15 anos, hoje não são mais, tanto na minha vida pessoal como na forma como lido com meu cliente hoje. É uma postura de um homem mais maduro, que fala mais, que se expõe mais e que defende os pontos de vista mais ligados ao dia a dia e ao conforto, e menos ao glamour e à ostentação. Brinco muito com o cliente. Digo que ele pode revestir seu banheiro com mármore importado (o que é bacana se ele tem dinheiro para isso). Mas tenho defendido que vale muito mais um bom colchão, um bom chuveiro, um bom sofá, um ar-condicionado legal… É claro que o trabalho tem que ter uma identidade, mas também tem que saber que a arquitetura não é efêmera. Você não está fazendo um estande venda. Custa caro,  é um projeto de vida . Tem que ser mais assertivo e menos delirante. É isso o que eu tenho defendido mais no meu trabalho, atualmente.

O imagina que as futuras gerações dirão de você?

Também nunca pensei nisso… (risos). Acho que não temos controle sobre isso.  Tem uma geração nova chegando, querendo se posicionar, com gente talentosa, é a renovação. Não penso em parar de produzir, de trabalhar, com 35 anos de carreira. Quero trabalhar muito, porque é uma coisa que eu curto e sei fazer legal, tenho um bom feedback dessa carreira.

O que, na sua opinião, é imprenscindível a um bom arquiteto?

Um bom arquiteto precisa ter senso de observação bem apurado, e é só a maturidade que traz isso. Há um volume imenso de informação chegando a todo momento, que não se consegue processar. Fica-se muito ligado a uma imagem pictórica e não se lê o conteúdo histórico do processo, o que gera uma perda. Você fica sem um embasamento do processo, e apenas com o resultado superficial. Parece que tudo é muito fácil e instantâneo. É uma ilusão. Pra você realmente construir uma carreira, é preciso ter senso de observação, ter resiliência pra adotar e respeitar um processo e um tempo pra chegar num resultado. Eu não acredito em arquiteto delivery e isso tem aos montes. Esta não é especificamente a maneira que eu goste de trabalhar. A impressão que tenho é que falta essência, conteúdo. Mas conteúdo não é só imagem: é processo, é história, é labuta.

O que te apaixona na arquitetura?

O detalhe, chegar no zoom do projeto. Eu gosto disso, de conceber a macroideia e ir fazendo o zoom. Sou muito detalhista, sou bom de ‘arquitetês’ (defendo bem a minha ideia), sou paciente, não faço a linha ‘déspota absolutista’, que impõe a opinião ao cliente; sou didático, faço muitas reuniões para discutir projeto. Dizem que Deus ou o diabo mora nos detalhes, né? Tem as duas versões… Não sei (risos).

O que você deseja ainda realizar como arquiteto?

(Pausa) Adoraria desenhar uma pousada bacana, uma pousada de charme, pequena, editadíssima, com todos os cuidados inerentes a um lugar para o qual você vá, seja bem recebido, se hospede, tenha mobiliário bacana, uma roupa de cama boa… Já projetei bares e restaurantes, mas nada na área de hotelaria. Mas gostaria muito de fazer…

Celso Laetano e Cris Sanches


Village Arte Decor 2017

De 3 de agosto a 17 de setembro

Visitação:
– Quinta e sexta-feira, das 16h às 21h30
– Sábados, domingos e feriados das 13h às 21h30
 
Endereço: rua Dona Maria Elisa, 296 – Vila Rezende, Piracicaba
Informações: (19) 3377-0905
Facebook: villageartedecor
Instagram: @villageartedecor
 

Bilheteria: ingressos para visitação custam entre R$ 6 (meia-entrada) e R$ 12 (inteira). Professores, idosos acima de 60 anos e estudantes pagam meia entrada. Pessoas com mobilidade limitada terão acesso livre à casa.


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