Não é o outro que tem que mudar, mas o que você está esperando dele
Por Anna Lívia Pacífico
NOTA: As situações e personagens descritas neste artigo são todas fictícias. Elas foram criadas apenas para ilustrar melhor o post da semana.
Na semana passada recebi uma mensagem da Jane querendo marcar uma consulta, pois uma amiga tinha comentado com ela que, na terapia, ela poderia potencializar as habilidades para viver uma vida melhor. Marquei um horário para conversarmos e, no horário marcado, lá estava ela. Pontualmente.
Jane é uma dessas mulheres muito comprometidas e determinadas. Quando quer algo, vai fundo e só para quando consegue. Tem um jeito de ser forte e marcante. Ao perguntar o que a trazia ao consultório, ela não gaguejou: “Tenho uma vida boa, mas, para melhorar, preciso mudar meu marido. Como me disseram que na terapia a gente desenvolve e potencializa as habilidades, eu vim aqui para conseguir ter as habilidades certas para ajudá-lo a mudar”. Comprometida e determinada que é, estava certa disso, e mais: já tinha um plano do passo a passo que ele precisaria seguir para alcançar a tão sonhada mudança que ela, há anos, esperava.
Antes de fazer alguns esclarecimentos sobre como funciona a terapia, falei o quanto a atitude dela me fazia refletir a respeito de sua postura como esposa que gosta e cuida do marido, afinal, ir em busca de ferramentas para ajudá-lo é uma atitude de quem gosta muito, pois há quem diga que tem dificuldade de mudar a si, quanto mais ao outro. Ela sorriu e disse: “Sim. Eu gosto muito dele”. Então, fiz a ela uma pergunta: “Jane, e ele quer mudar? Ele já te pediu ajuda?” E ela me respondeu: “Tenho pena dele, sei que sofre e, por isso, quero ajudá-lo, até porque, para que continuemos juntos, ele precisa mudar”. “Tá! Tudo bem, entendi. Como você sabe que ele sofre? Ele já te falou?”, questionei. “Eu sei que eu posso ajudá-lo. Às vezes, tenho dificuldades de saber como, por isso estou aqui”, ela respondeu.
Parecia que eu não estava conseguindo me comunicar bem com Jane, já que ela não respondia às minhas perguntas. Ela respondeu “não” ao que eu perguntei, mas sobre as suas questões, sobre as suas expectativas, sobre os seus desejos: “Mas é sempre assim, não, Lívia? Nós enxergamos o mundo não como ele é, mas de acordo com as nossas interpretações, não é isso?”, argumentou. Não sei se Jane tem consciência disso, mas vamos lá: ela estava determinada na sua missão e tudo o que ela mais queria era mudar seu marido, porque, para ela, era algo muito simples. “Será que ele não vê que eu só quero o melhor para ele?”
Ela realmente achava que, como suas ideias tinham funcionado para si e que a intenção maior dela era o bem dele, ele tinha que enxergar e fazer o que ela estava apontando como uma alternativa. Talvez ela tenha esquecido de saber se ele estava disposto a querer o que para ela era tão óbvio. Sim, para ela era óbvio que a mudança devia acontecer com ele. A vida dela seguia mais ou menos como um trem nos trilhos, em uma velocidade média, não tão alta, mas em constate movimento. O que pra ele não acontecia assim. Ela se angustiava e esperava ansiosa por essa mudança já há alguns anos.
O seu objetivo era tão claro, que esqueceu algo fundamental quando o seu propósito envolve outras pessoas: perguntar e ouvir o que o outro tem para falar. Será que ele quer mudar? Será que ele está bem do jeito que está? Será que o que tanto me incomoda nele, incomoda a ele também? E, mesmo que incomode, será que a solução que eu estou apontando faz sentido pra ele? Será que ele quer mudar agora? Será que aquilo que está faltando na minha vida, estou buscando encontrar nele, mas ele não tem pra me dar?
Naquele momento da sessão, parecia que a Jane estava descobrindo uma caixa de questionamentos dentro de si e, quanto mais ela falava, mais perguntas brotavam. “Esses questionamentos nunca tinham passado pela minha cabeça”. Será que eu estou buscando nele algo diferente do que ele tem pra me dar, e eu alimento essa mudança como se fosse mudá-lo para um ideal que eu mesma construí? Será que o que causa a minha frustração não é que ele não muda, porque todos nós mudamos, mas é descobrir a cada passo dado que ele verdadeiramente não tem para me dar o que eu quero? E ai é mais fácil eu ajudá-lo a mudar e esperar que ele mude, do que mudar a minha forma de desejar algo de quem não tem pra me dar?
É chegado o fim da sessão e Jane parecia ter tido mil e uma ideias. E como sempre faço ao final das minhas sessões, perguntei : “O que você leva da sessão de hoje?” Ela me olhou com olhos bem abertos e falou: “Estou muito pensativa e aquilo que eu tinha tanta certeza se transformou em dúvida: será que é ele mesmo que tem que mudar, ou será que tenho que mudar o que venho esperando há tantos anos ele me dar? Quando chegar em casa, vou ter uma conversa com ele e te falo na próxima sessão”. Até a próxima semana, Jane.
E se você quiser saber como foi a conversa que Jane teve com o marido, volte daqui a 15 dias, que eu me comprometo a te contar.
Sobre Anna Lívia Pacífico
Anna Lívia Pacífico Barros Mota é psicóloga, master trainer em Psicologia Positiva, Terapeuta em EMDR. É proprietária da Pacífico Treinamentos.
Para saber mais sobre a psicóloga Anna Livia Pacifico, leia a entrevista publicada aqui no blog Papo com Cris.
Anna Lívia Pacífico – psicóloga
E-mail: livia.pacifico@outlook.com
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