‘Embora eu ame o flamenco, ele só não me define’
Texto: Cris Sanches
Fotos: Acervo Nãna Toledo
Conheci Nãna Toledo, em 2010, no MBM Escritório de Ideias, onde eu trabalho. Integrante da Cia Chama Flamenca, do Ballet Jussara Sansígolo, Nãna ia com frequência à agência com a ‘missão’ de ajudar na criação da identidade visual do grupo, para quem fizemos também o trabalho de assessoria de imprensa em seu lançamento.
É muito fácil gostar dela. Quem não aprecia um abraço apertado, uma saudação calorosa e um ‘dedinho’ de prosa com alguém sensível e inteligente? Pois é desse jeito que essa piracicabana, nascida em 21 de outubro de 1975, costuma arrebatar os corações de homens e mulheres por onde passa: com simplicidade, generosidade e delicadeza, coisas que andam em falta por aí…
Nãna é formada em administração de empresas, mas a arte, de uma forma geral, é parte fundamental de sua vida. Já fez balé, teatro, gosta de desenhar e pintar. No momento, está tendo aulas de canto, que ela classifica como uma das experiências mais ‘transcendentais’ da sua vida.
Engana-se quem acha que, em dois ou três encontros, consegue conhecer essa mulher. E ela adverte: “Chegar a uma conclusão sobre mim seria o mesmo que cortar um pedaço de mim, anulando todo o resto…”
Você é uma mulher de muitos talentos e canalizou brilhantemente um deles para a dança flamenca. Como isso aconteceu?
Você acha? Eu agradeço, mas não me considero uma ‘bailarina’ flamenca… Tenho muita energia, é verdade, mas me falta técnica e conhecimento… A dança – e a música – sempre fizeram parte da família: minha nona sapateava nos intervalos do cinema mudo, junto com o irmão, ao som do piano do meu bisavô William. Quando pequena, meus pais acharam que a dança me ajudaria na coordenação, ritmo e disciplina… Então, fui ‘iniciada’ no balé clássico aos 3 (!!!) anos. Parei aos 16 anos, quando machuquei feio o joelho esquerdo e entendi que aquilo era um basta – eu nunca tive o biotipo de uma bailarina clássica!!! Conheci o flamenco em 1993, assistindo a um espetáculo da então Cia Tarantos (Cisne Negro/SP) no teatro e me apaixonei de cara… Logo depois, iniciava minhas aulas com Lucia Caruso, no Ballet Jussara Sansígolo, onde estudo até hoje!
Quanto do seu tempo você dedica à Cia. Chama Flamenca? É mais ou menos do que você gostaria de dedicar?
Dou aula duas vezes na semana e faço aula uma vez. Em paralelo, cuido da arte, divulgação e da página da Cia Chama no Facebook. Não nego que adoraria poder estudar mais, principalmente os ‘palo’ (ritmos) e as ‘juergas’ (rodas) flamencas, que têm um caráter mais festivo, de improvisação, de liberação pura de energia… No entanto, tenho plena consciência de que meu corpo se cansa muito mais fácil, que minha mente já não retém toda e qualquer informação e que o tempo é escasso. Além disso, não consigo me dedicar somente a uma coisa… Tudo me interessa… O que pode me tornar uma pessoa rica – em termos de assuntos e vivências – me frusta também, pois parece que sei tudo e nada ao mesmo tempo…
Qual foi sua maior emoção no palco?
Tive dois grandes momentos: um em 1996, quando, convidadas a nos apresentar na comemoração da 10ª Semana de Dança do Triângulo Mineiro (Uberlândia/MG) – importante evento da dança no país – saímos do palco ovacionadas pelo público que lotava o estádio municipal, que gritava em coro, ‘Piracicaba, Piracicaba!’… De arrepiar…
Outro grande momento foi o espetáculo Recuerdos, de 2008, em que comemoramos os 15 anos da Cia Chama. Reunimos quase todas as bailarinas originais e recordamos várias coreografias desses 15 anos juntas… Ano que vem, chegamos a 20 anos! Aguenta coração!
Sempre é tempo de aprender flamenco? Há limite de idade?
Graças a Dios, no! Flamenco é atemporal! Embora difícil – pois, o flamenco compreende ritmo e música, além da dança – é uma das artes mais generosas que eu já vi. Nele não há enquadramento, não há estereótipo; ele te abraça independente da sua altura, peso, idade, raça… No flamenco há espaço para todos! A questão é ter um professor afetuoso e talentoso!
Você faz outros trabalhados artísticos?
Que bom que você me perguntou isso, porque embora eu ame o flamenco, ele só não me define… Não gosto de rótulos, pois isso me engessa, me empobrece… Outro dia, ouvi de um amigo uma frase de Ferreira Goulart que diz: “A arte existe porque a vida não basta”. De fato, isso tem todo sentido pra mim, pois muito de mim tem arte, mas muito da arte veio a mim, como forma de autossobrevivência, de sentido para vida… Eu sempre desenhei e pintei… Fiz algumas oficinas de teatro na época do balé clássico e, mais recentemente, comecei a fazer aulas de canto – uma das experiência mais transcendentais que experimentei na vida… Indico fortemente, pois é um trabalho muito interessante, de autoconhecimento. Através dele descobri que impostar a voz, nosso timbre, é um movimento muito mais íntimo do que o do nosso corpo, e está totalmente ligado às nossas emoções…
O que te dá grandes alegrias?
Além de amar e ser amada, das minhas sobrinhas e afilhadas? Descobrir que eu POSSO fazer as coisas…
É capaz de confessar uma frustração?
A grande frustração da minha vida foi não ter vivido coisas que poderia e merecia ter vivido em momentos importantes. Na terapia, às custas de muito esforço, eu batalhei para compreender e aceitar que a minha história, como a de qualquer pessoa, teve que ser do jeito que foi… Hoje sei que, quanto mais vivo, mais me aprofundo, mais me compreendo e menos tendo a me frustrar…
Do quê (ou de quem) você sente saudade?
Passei os últimos anos por um balanço pessoal, sabe, e esse processo me fortaleceu e permitiu suportar/enfrentar muitas dores e perdas. Hoje, eu zerei minha vida… Logo, já senti saudades de muita coisa, principalmente de voltar no tempo… Mas hoje vejo que quanto mais eu me prendo à saudade, menos eu vivo o presente, e mais presa a este ciclo vicioso eu fico… já perdi muito tempo precioso… hoje eu preciso me preocupar comigo e com a vida que me resta.
É uma mulher de fé?
Se você diz fé no sentido religioso, eu digo que não. Embora em momentos difíceis, eu me veja muitas vezes chamando o nome de Deus. Agora, existe algo em mim, uma força, um desejo, algo maior e indescritível, que me leva a buscar constantemente um sentido de vida… Entendo que é este aspecto – o da luta, da busca -, a fé que me move e me mantém em pé.
Afinal de contas, quem é a Nãna?
Você sabe? Me diz você? Pois eu não sei ainda… Sou paradoxal, penso demais, tenho conflitos internos extraordinários… Chegar a uma conclusão sobre mim seria o mesmo que cortar um pedaço de mim, anulando todo o resto… Poderia arriscar dizer que eu sou aquela que está em processo de, sempre com um sorriso no rosto, embora por dentro possa estar dilacerada… Não dá pra negar: é preciso tempo pra me conhecer de verdade…