A vida sem sexo
Breno Rosostolato*
Quando falamos sobre sexo, já de princípio nos ajeitamos na cadeira porque sabemos que o tema desperta grandes e calorosas discussões. A curiosidade sobre o tema é instigante. A pessoa se permite romper com os tabus existentes, o que pressupõe recorrer aos instintos mais prazerosos. Evocamos os significados que possuímos sobre sexo, traduzidos por sensações e experiências vividas ou desejadas. Imaginar um cenário sexual não é difícil porque contamos com recursos internos como a excitação. O sexo nos permite fantasiar e aliado a isso, a ideia de transgressão.
Mas igualmente ao desejo de consumar uma relação sexual para alguns, existem pessoas que rompem com a necessidade e renunciam o envolvimento sexual. Muito embora pareça estranho alguém não ter relações sexuais, a assexualidade é um movimento social que desmistifica a notoriedade do sexo e está em plena ascensão no mundo. Talvez seja mais fácil pensarmos nas multiplicidades e possibilidades do sexo do que na falta dele.
A libido não está vinculada apenas ao ato sexual. O ato em si é uma consequência natural para extravasar a excitação acumulada.Para os assexuados, o prazer e a satisfação existem, mas não através do envolvimento carnal com outra pessoa. Não existe desejo sexual, mas existe excitação. E olha que embora pareça uma descrição do celibato, assexualidade está longe desta concepção. Os celibatários reprimem o desejo sexual em prol de uma causa e de preceitos religiosos. O assexuado não reprime nada, pois nãoexiste desejo a ser recalcado. A masturbação, por exemplo, é uma alternativa para a excitação, cuja ejaculação possui efeito aliviador e diminui o estresse. O autoerotismo dispensa a relação com o outro e a atuação da libido é presente, satisfazendo a excitação.
Assexualidade não é uma doença, mas uma escolha. O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), catálogo de doenças mentais da associação americana de psiquiatria classifica este comportamento como “HSDD” ou Desordem do Desejo Sexual Hipoativo, considerada um desvio. Talvez, mediante a cultura da sexolatria, em que até para vendercerveja recorre-se aos estímulos sexuais, não transar é entendido como patológico. Mas se não transar não causa sofrimento para a pessoa, o uso de remédios ou tratamentos é dispensável. Problemas como o vaginismo, menopausa, deficiência hormonal e problemas de ereção são algumas causas que diminuem e até impossibilitam o envolvimento sexual e, portanto, devem ser tratados.
Nem tudo é assexualidade. Deve-se ter pelo menos num período de 6 meses, falta de desejo sem quadros de doenças. O assexual não é aquele que, necessariamente, tenha sofrido abusos sexuais ou possui uma orientação sexual não aceita. Ao contrário, a assexualidade é defendida pela Even (Asexual Visibility and Education Network), rede que luta pela visibilidade dos assexuados no mundo, como uma nova orientação sexual e assim deve ser compreendida.
Existem grupos na assexualidade como os românticos ou libidinosos que possuem atração romântica e por isso, conseguem se envolver com outras pessoas, namorar e até casar. Envolvem-se afetivamente. Sexo apenas com o intuito de procriar. Já os não românticos não possuem intimidade física ou troca de carícias. Não sentem desejo algum e o envolvimento amoroso não é permitido. De um modo geral, os assexuais sofrem muito preconceito e são discriminados por suas escolhas. O sentimento de culpa é atormentador e angustiante, imputado por uma sociedade carente de afeto. Nos dias de hoje, fazer sexo e ser libidinoso são obrigações e por isso, sofrem distorções. O prazer pode ser destinado àoutros setores da vida como o trabalho, exercícios físicos ou aos cuidados dos filhos, isso para ficar em alguns exemplos. É um erro restringir a libido ao sexo.
Os poucos estudos sobre o tema dão margem para especulações e conclusões precipitadas. As variedades sexuais não podem serdeterminadas ou quantificadas. A sexualidade viola qualquer padrão normativo, justamente porque não pode ser controlada. São estas ramificações sexuais que permitem ao conhecimento pessoal, e, portanto, a constituição de identidades sexuais. Compreender estas identidades é respeitar os movimentos de uma sociedade que sofre uma verdadeira metamorfose em sua constituição. Desbravar nossa sexualidade deve ser libertador e não uma escravidão.
* Breno Rosostolato é professor de psicologia da Faculdade Santa Marcelina.